21 de junho de 2009

O ato de transformar dor em flor

"(...) e voa para nunca-mais/a mão infinita/a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari". (A Mão/Carlos Drummond).



Brodowski, 1942/Portinari

Mesmo sem o privilégio de ter visto um quadro de Portinari (apenas reproduções em livros e fotos nas galerias virtuais), impossível não viajar pelo seu mundo tele-querido nas descrições de Drummond. Existem pintores de palavras e escritores de imagens. Esse casamento entre caneta e pincel, papel e paleta, encontra uma moldura perfeita no poema A Mão, de Drummond. Com o poder de encantamento de suas palavras, Drummond pinta Portinari e nos dá uma visão sonora da vivência pictórica do artista, de pensar o mundo em formas e cores, com toda a ebulição de seu processo criativo. E chegamos ao êxtase de ver uma mão de olhos azuis desprendendo-se da tela, infinita, e voando para nunca mais, assim, de se tocar e ser tocado e escorrer tinta e chorar imagens de pura emoção.
Na moldura do poema, nos deixamos fundir, como numa queda livre de nuvens e azuis, tinta fresca e palavra nova, inventada no gozo expandido de todos os sentidos da criação. "(...) A mão está sempre compondo/módul-murmurando/o que escapou à fadiga da criação (...)”. Como Drummond, em suas palavras, também ficamos frenéticos e extasiados de ver o cafezal e o sonho, a estrela dourada que o garoto pinta na capela, jangadas, pandorgas, entre guerra e paz e o aroma primeiro do Brasil e tantos outros... Comemos com os olhos uma pintura falante, gritante, saltando pra dentro da gente e ali encontrando a gangorra do infinito. E chegamos, sim, a tocar com os olhos da imaginação a "criança que balança como flor no cosmo" e "torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente/em seu poder de encantação".
Há anos leio este poema e descubro sempre novas belezas, ritmos, texturas, cores, matizes, cheiros e intervalos, inflexões, um serpenteado de luz sendo coada em espaços e formas inusitadas, às vezes oblíquas e aéreas, mas recortadas no contra-luz de dentro da nossa emoção de cada momento com o seu retrato.
As pinturas que não vi de Portinari tocaram fundo a minha alma pela caneta-pincel de Drummond e estenderam-se infinitamente no horizonte em que relampejos permitem a contemplação imaginária do ato da criação, gênese poética imprimindo de forma etérea imagens pulsantes num dia azul e claro de Junho de 2009 em que sinto falta do que me espreita bem longe dentro de mim. Aí, eu me debruço na janela deste texto e penso que posso, quase acreditando, transformar dor em flor!

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